Veio a lume pela
editora Chiado, de Lisboa, o Colóquio das
Árvores, livro da poeta capixaba Renata Bomfim. Essa obra poética reflete a
tentativa estética de captar e, ao mesmo tempo, traduzir a intensidade e o
mistério do mundo natural; repleto de forças múltiplas, muitas vezes postas em
confronto face ao desrespeitoso exercício humano e capital, presente nos dias
de hoje.
O Colóquio das árvores foi publicado, e
está sendo distribuído nos países de língua portuguesa. A crítica lusófona Ana
Luisa Vilela adverte o leitor para que “não espere dessa obra apenas a sisuda
erudição hermética”, pois, há nela textos divertidos e picantes, que por vezes
misturam a gulodice com a devoção, buscando harmonizar a raiz com o voo.
“Poesia sem pose e íntima na sua dignidade, canto de abertura total do ser á
utopia do vir a ser”, completa
Vilela. A mirada crítica de Pedro Sevylla de Juana, por sua vez, observa que no
Colóquio das árvores a poeta ressurge
“metafórica e simbólica: pagã; fogo purificador e cinzas fertilizantes:
terrivelmente humana”.
Os cerca de cem
poemas epigrafados por Sylvia Plath, Rubén Darío, Hilda Hilst, dentre outros,
tocam em questões delicadas, que resgatam a temática socioambiental, ao mesmo
tempo em que abordam aspectos inerentes às grandes inquietações
humanas-existenciais: o amor, a morte, a solidão e a esperança.
Renata Bomfim
dedicou o seu Colóquio das árvores a
Dora Vivacqua, a “extraordinária e deslumbrante Luz Del Fugo”, e a Freda Cavalcanti Jardim, “mãe do Mosaico
brasileiro”. Natural de Vitória, a escritora trabalha poeticamente o “ser
capixaba”, identidade híbrida e multicultural, com suas delícias e
contradições. À memória da cronista e poeta Carmélia Maria de Souza ela dedicou
o texto poético “Vitória é uma delícia”, que diz: “esta Ilha tem “um que” de
Ítaca, Olimpo, Pasárgada.// Que glória e que sina a minha/ nascer e escolher
viver numa Ilha/ de Camélias e Carmélia.../ Vitória é uma delícia”. Já o poema “Fantasmas
da esperança”, dedicado ao ecologista Paulo Cesar Vinha, assassinado por
defender a restinga capixaba contra a extração ilegal de areia, é um chamado ao
engajamento. O poema interroga: “Até quando o ferro e o fogo calarão vozes mais
esclarecidas?/ Por que no lugar das árvores/ estão sendo plantadas as sombras
dessas existências perdidas?/ Morreram Paulo Cesar Vinha,/ Chico Mendes,/ Maria
do Espírito Santo,/ Dorothy, irmã querida./ Morreu José Cláudio Ribeiro da
Silva,/ defendendo as castanheiras e a nossa humanidade”.
O desejo, talvez
utópico, de se ter um espaço pacífico - onde o convívio entre as existências se
estabeleça em harmonia e plenitude - é o que constitui o ímpeto enunciativo de Colóquio das Árvores, retrato poético-universal,
que externa essências e (des)valores, demonstrando ao público leitor a
necessidade de um repensar a própria existência; o que se dá por meio de versos repletos de mensagens, capazes de
associar a apreciação estética à conscientização do exercício ético.
Renata Bomfim é conhecida pelo seu
amor pelos animais, especialmente pelos felinos. O Colóquio das árvores se abre para essa paixão com textos como “Todo
gato”, que diz: “Todo gato tem alma de santo,/ Todo gato é sacerdote, profeta,/
Arquiteto e malabarista.// Todo gato é zen e/ Oportunidade de amor ilimitado/
Para um ser humano”. O pesquisador Fábio Mário da Silva destacou que na obra em
questão “a consciência ecológica desemboca em temas e subtemas
como, por exemplo, a origem do cosmo, do ser humano, daquilo que é místico,
primevo e erótico”, uma exemplar amostra de ecopoesia.
Dessa forma, quem puder ler esta obra, reconhecerá em Renata a “rosa” que se vê
“incômoda” e “assustada”; o dizer do “bicho”; da “planta”; aquela que “grita” e
pode “enxergar além”. Colóquio das
árvores propicia ao leitor a oportunidade de reconstruir valores materiais
e imateriais; de ver nascer diante de si algumas certezas: a de que é preciso
tomar uma atitude face ao meio-ambiente; conscientizar-se das atrocidades
históricas, envolvendo a exploração de povos negros e indígenas; zelar; pelo
amor ao próximo; pela essência-vida, pelo conviver igualitário... Já que todos,
em primeira instância, são matérias perecíveis, a percorrer um mesmo caminho,
findouro, maior de todas as certezas.
Andressa Zoi Nathanailidis
Jornalista e Dra. Em Letras pela UFES.
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